De seu exaustivo trabalho, verdadeira cruzada contra as drogas, ficaram sete livros, centenas de artigos e a Abraço, entidade exemplar

Elias: além do nome, há entre o professor e o profeta algo em comum que diz que também ele foi arrebatado aos céus. O profeta, com sua palavra ácida, defendendo o povo contra os falsos pregadores; o professor, com seu saber farmacológico, lutando pelos jovens, contra as drogas – falsos ingredientes da felicidade. O espírito do profeta repousou em Eliseu para continuar a sua missão. O professor permanece entre nós com seus ensinamentos e seu exemplo de vida.

Tive a honra de ter tido o professor Elias a meu lado na minha primeira campanha para deputado federal. Lembro-me que, mesmo para os assuntos mais sérios, ele tinha uma abordagem sempre em tom bem-humorado, o que cativava as pessoas.

Em vídeo recentemente gravado para o programa Memória e poder, da Assembleia Legislativa, Elias Murad contou a sua história e concluiu com as palavras do apóstolo Paulo: “Combati o bom combate”. Falara ele, trechos antes, que “drogas só se combatem de corpo e alma”. Assim ele próprio definiu o que foi a obra, a razão e o sentido de sua vida: o combate às drogas, a que se entregou inteiramente.

Ele contou que, a caminho da inscrição para o vestibular e em dúvida sobre se fazia medicina ou farmácia, decidiu pegar o primeiro bonde que passasse. Passou o bonde da Faculdade de Farmácia e, três anos depois, estava formado. Passado algum tempo, voltou para pegar o segundo bonde, o da Faculdade de Medicina e, seis anos depois, formou-se médico. Em 1959, tomou o bonde rumo à Universidade de Paris para especializar-se em farmacologia; e, em 1964, outro para a Universidade do Texas, onde se especializou em bioquímica cerebral.

Fez questão de repartir com a sociedade o que trouxe na bagagem, especialmente com a comunidade acadêmica e científica, lecionando nas escolas de química, farmácia e medicina; escrevendo para os jornais e dando palestras sobre os perigos do abuso dos psicotrópicos e prejuízos que estavam provocando nas pessoas, sobretudo nos jovens. Dedicou-se a exaustivo trabalho, de que resultou a publicação de sete livros e centenas de artigos, verdadeira cruzada contra o abuso das drogas.

Elias Murad tomou outros dois bondes: em 1986, para a Câmara dos Deputados, onde permaneceu por quatro mandatos; e, a partir de 2004, para a Câmara Municipal de Belo Horizonte, cumprindo dois mandatos, tendo sido, para um deles, o vereador mais votado de BH. Como deputado constituinte, cravou sua marca na Constituição de 1988 e o principal marco na sua luta contra o tráfico de drogas: o dispositivo que introduziu o confisco das terras onde fosse cultivada maconha ou coca. Outra contribuição sua foi a propositura da lei que restringiu o uso do tabaco e de álcool. Essa lei, por proposta de Aécio Neves, então presidente da Câmara dos Deputados, foi denominada Lei Elias Murad. Na Câmara Municipal, foi o autor de projetos, transformados em leis municipais, que obrigam estabelecimentos comerciais, como clubes e academias, a alertarem seus clientes e usuários sobre as consequências do uso de anabolizantes e riscos da exposição indevida ao sol. São ainda de sua autoria mais dois projetos: um proibindo a comercialização de álcool líquido em drogarias e estabelecimentos comerciais; e outro que, balizado em estudos científicos sobre os benefícios do uso controlado do café, incentiva a inclusão dessa bebida na merenda escolar.

Entre um bonde e outro, Murad ia escrevendo e construindo uma fortaleza antidrogas: em 1983, com o apoio do então governador Tancredo Neves, criou o Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas, precursor da Subsecretaria Antidrogas do governo de Aécio Neves, ambos com foco nas atividades de prevenção ao uso abusivo das drogas.

Em 1985, Murad criou a Associação Brasileira Comunitária para Prevenção do Abuso de Drogas, a Abraço. Milhares de pessoas nela se refugiaram e se refugiam buscando tratamento, centenas de famílias ali depositam a esperança de verem filhos de volta ao lar, ao trabalho e à dignidade. A Abraço, ícone de sua obra, era também, nos últimos anos, a sua principal preocupação em razão das dificuldades financeiras por que vinha passando: a arrecadação vem se mostrando insuficiente para cobrir os custos do tratamento e assistência de quem a procura.

No último dia 27, Elias Murad tomou o bonde da eternidade, e seu principal legado, a Abraço, precisa urgentemente do apoio da população para, como ele, ter continuidade entre nós.

 

   Rodrigo de Castro, deputado federal e secretário-geral do PSDB