Alguns anos atrás, quando se começava a discutir a transposição das águas do rio São Francisco, o governo do PT dirigiu-se à sociedade para pedir um pouco de amor pelo Nordeste. E agora, ante o atraso de 03 anos e diversos problemas nas obras daquele projeto, o que a sociedade deve pedir ao PT?

O apelo emocional daquele período, sob o argumento de que apenas 1,4% das águas do São Francisco seriam direcionadas para o Nordeste (fazendo entender que isso era apenas uma gota d’água e que estava faltando solidariedade), demonstrava a pressa do governo em dar início ao projeto e servia para confundir a discussão dos prós e contras da proposta e inibir a cobrança pela omissão e inércia em relação à ameaça de morte do rio, impunemente agredido pela derrubada das matas ciliares e assoreamento, despejo de esgoto não tratado e uso indiscriminado de agrotóxico.

Sangrar o rio era sentença de morte para os ribeirinhos que dele tiravam sustento e renda na agricultura de subsistência e no agronegócio que tem na navegabilidade de suas águas – ainda que comprometida – a mobilidade para o exercício das atividades econômicas. O São Francisco é vida para 13 milhões de pessoas que vivem nos 504 municípios situados nos 2.700 km de sua extensão.
A sociedade, que tanto ouviu falar da indústria da seca, tinha dúvidas se a transposição não seria mais uma manobra para desvio de recursos públicos. Queria saber se o projeto era realmente o ideal e se não havia outro jeito de garantir água para a região fora daquela ideia megalomaníaca, orçada em R$ 4,7 bilhões. Poder-se-ia insistir em alternativas mais econômicas e efetivas?

Além disso, havia desconfiança quanto à compensação dos estados doadores de água – Minas Gerais, Bahia, Alagoas e Sergipe. Diante do evidente processo de fragilização do rio, a propalada recuperação e revitalização mostrava-se, cada vez mais, obra de ficção. E, frise-se, transposição é processo de engenharia, que corre relativamente rápido, e recuperação é processo de engenharia e de educação, de convencimento, de mudança de hábitos, o que normalmente leva gerações.
Como entender que, a pretexto de promover o desenvolvimento do Nordeste, fosse diminuída a capacidade de geração das hidrelétricas, como Paulo Afonso, Itaparica e Xingó, fornecedoras de energia e, portanto, de desenvolvimento para o próprio nordeste? E como saber sobre outras questões que o apelo oficial tentava abafar, naquele momento: haveria a interligação das bacias do centro-oeste? Quais seriam os impactos no meio ambiente e nos ecossistemas das bacias doadoras e receptoras? Qual a certeza de que a água do São Francisco seria destinada ao abastecimento da população mais pobre e à produção de seu sustento e não, caindo nas grandes represas do nordeste, à produção industrial, beneficiando os ricos e aumentando a pobreza e a desigualdade? E qual a garantia de que as águas do São Francisco iriam levar também o húmus do desenvolvimento, a partir da educação, do crédito e do fomento à geração de renda e melhoria de vida?

Sem respostas seguras e convincentes para esses questionamentos, as obras tiveram início. E agora, os temores e as dúvidas são agravados com o comprovado atraso das obras de transposição. E, pior, a esse atraso na principal obra de infraestrutura do governo, se junta prática de superfaturamentos e ocorrência de pagamentos por serviços não prestados como é dito pelo próprio governo, ao lado de falhas técnicas, como desabamento de túneis e rachadura de canais em toda a colcha de retalho em que se tornou a transposição do São Francisco.

A ocasião ainda é oportuna para o debate. O Nordeste ainda vive os efeitos da pior seca dos últimos 30 anos, onde faltou água para beber e alimento para os animais que representam a fonte de renda de milhares de famílias, que tampouco tiveram assistência oficial efetiva. Nesse momento cabe à sociedade entender os diversos aspectos dessa questão, participar ativamente e exigir do governo, menos improviso, mais seriedade e respeito pelos nordestinos.

Rodrigo de Castro, deputado federal e secretário-geral do PSDB